Pedro: Auto-biografia


O meu nome é Pedro.


Pedro I, oitavo rei de Portugal, filho de El-Rei D. Afonso IV e da rainha Beatriz. Nasci em Coimbra, a 8 de Abril de 1320.

Enquanto jovem tive uma personalidade bastante alegre. Eu era apaixonado, impulsivo e também irrequieto. Era alto, tinha um porte majestoso, rosto largo e olhos negros e belos. Passava os dias a cavalgar com os meus amigos e adorava as longas temporadas na caça. Adorava as festas, as danças e a boa comida.

Desde muito cedo fora combinado um casamento entre mim e D. Branca de Castela, mas este fora anulado por debilidade física e mental da infanta castelhana. Então, aos meus 16 anos, foi definido por el-rei meu pai um novo casamento, com D. Constança Manuel, filha de um nobre castelhano da família real. Casamos em 1340, mas quando a vi a minha atenção não se dirigiu minimamente para ela. Quem verdadeiramente o meu espírito viu e desejou foi a sua dama da companhia, D. Inês Pires de Castro. Inês era a mais bela mulher, que tinha visto em toda a minha vida! Apaixonei-me perdidamente por ela! A sua bondade... a sua simplicidade... a sua beleza... tudo nela me fascinava! Chamavam-lhe o Colo da Garça. De olhos brilhantes, rosto prendado, um belo e loiro cabelo que lhe caía sobre os ombros. Ela era magnífica!

Foi difícil esconder este forte sentimento. Mas continuei o meu dever. D. Constança e eu tivemos o nosso primeiro filho, D. Luís. Como Constança se tinha apercebido da minha afinidade com Inês tentou resolver o problema de uma forma subtil: convidou Inês para madrinha do nosso primeiro filho. Naquele tempo a relação entre os padrinhos de uma criança e os seus pais era de parentesco, e uma relação amorosa entre nós seria considerada um crime. Porém o menino acabou por morrer, pouco depois do seu baptismo.

Devido aos rumores na corte, meu pai, El-rei D. Afonso IV, mandou Inês para fora do reino, de forma a separar-me dela. Todavia aquilo era em vão. O nosso amor não morreria por causa da distância: continuamos a corresponder-nos secretamente por cartas. No entanto, eu continuei a não negligenciar as minhas relações matrimoniais e dei mais dois filhos a Constança, D. Maria e D. Fernando. Mas Constança acabou por morreu pouco tempo depois de dar à luz o futuro rei, D. Fernando. Complicações pós-parto ou desgosto do meu adultério? Não sei bem. Talvez as duas coisas. O que importava na altura era que agora estava livre para ficar com a minha desejada Inês.

Ela voltou para junto de mim e vivemos juntos e felizes durante algum tempo, apesar da contestação da corte e do desgosto de el-rei, meu pai. Surgiram boatos que nos tínhamos casado secretamente. Um incidente deste tipo numa família real assumia graves implicações políticas. Na tentativa de saber a verdade, meu pai disse que poderia casar livremente com Inês. Mas eu percebi que isso se tratava de uma cilada e respondia que não pretendia casar-me com ela.

Ainda fruto do nosso relacionamento brotaram quatro filhos, apesar de um ter morrido muito novo.

Mas um dia tudo mudou.

Naquele amaldiçoado dia eu tinha ido à caça. Nada me fazia prever o que iria acontecer, porque se assim fosse tudo teria corrido de maneira muito diferente. Meu pai, acompanhado por mais três conselheiros, Diogo Lopes Pacheco, Álvaro Gonçalves e Pedro Coelho, dirigiu-se a Coimbra, onde estava Inês com os meus três filhos, com intenção de a matar. As razões para tal acto eram sobretudo políticas. Por um lado temia-se a influências dos irmãos de Inês junto de mim. Por outro lado preveniam-se futuras lutas na sucessão ao trono entre o meu filho com Constança e os filhos que tive com Inês, preservando desta forma a segurança e independência do reino. O nosso suposto casamento secreto também fora um motivo. O último motivo era que Inês era minha prima em segundo grau.

A minha amada pediu misericórdia. Pediu por ela. Pediu pelos nossos filhos, que iriam ficar órfãos. Disse que eles também eram sangue real.

Mas nada lhe valeu. A sentença já vinha tomada.

Inês foi morta.

Degolada.

A minha querida Inês! O meu mais que tudo! Morta!

Como pode meu pai e os outros homens não terem misericórdia dela? E dos meninos? Eles que devem ter assistido a tudo!

Como pode? Ela era a mais inocente, a mais pura no meio desta história. Morta por mim! Morta por me amar! Morreu por meu amor!

Mas o nosso amor não morreu ali! Ao tirarem-me a minha Inês, puseram-na ainda mais dentro de mim!

Revoltei-me contra el-rei meu pai. Como podera ele fazer-me tal coisa? Como?

Arrasei várias terras a meu pai, terras a Norte do rio Douro. Tentei mesmo apoderar-me do Porto. A minha raiva era tão grande...

Mas esta guerra entre meu pai e eu veio a terminar mais tarde, pouco tempo antes de meu pai morrer, graças à intervenção da minha boa mãe, a Rainha D. Beatriz.

Mas aos assassinos de Inês nunca perdoei!

Quando subi ao trono, em 1357, tratei logo de vingar a morte da minha amada. Procurei os três assassinos: Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco. Quanto aos dois primeiros consegui-os por uma troca de fugitivos com o rei de Castela. O terceiro escapou-me, pois fugiu para França. Mas os outros dois foram castigados severa mas justamente: a um foi extraído o coração pelo peito, a outro pelas costas.

Terminada a esperada vingança era tempo de todos reconhecerem Inês como verdadeira rainha de Portugal. Mandei construir dois esplendorosos túmulos: uma para Inês e um para mim próprio. Inês foi levantada do seu túmulo, em Coimbra e foi realizado um magnífico cortejo fúnebre até Alcobaça. Antes de a colocar em descanso ela foi ainda coroada rainha de Portugal e a sua bela mão foi beijada pela corte.

A minha vida depois disto foi maldita. Tinha terríveis pesadelos de noite. Então vinha para fora onde fazia grandes festas com danças e música, com o meu povo, que perduravam noite inteira.

Tentei sempre ser um bom rei, pois um rei é antes de tudo pai de um povo. Ouvia sempre o meu povo, antes de tudo e evitei sempre conflitos, principalmente com o reino de Castela. Mas quando se tratava de casos em que a justiça tinha de ser aplicada era aplicada mesmo! Não interessava a classe social, coisa que era insólita na altura. Mas a verdadeira justiça é cega!

Não voltei a casar, contudo tive um caso amoroso com D. Teresa Lourenço. Daqui veio a nascer D. João, Mestre de Avis, futuro rei D. João I de Portugal, fundador da 2ª Dinastia.

Reinei durante dez anos.

Vim a morrer a 18 de Janeiro de 1367, em Estremoz.

Fui sepultado no Mosteiro de Alcobaça, ao pé da minha amada Inês, para que no dia do Juízo Final, logo que acordarmos ressuscitados nos vejamos, olhos nos olhos...